A Mudança em construção
umarmadeira
ARTIGO DE CATARINA MARCELINO
O ensino em Portugal universalizou-se após o 25 de abril, permitindo acabar com níveis de analfabetismo e iliteracia que, no contexto europeu, nos deixavam entre os países com maiores atrasos na educação. Foi um enorme esforço nacional. Em 1981 tínhamos uma taxa de analfabetismo no país de 18,6% e na Madeira atingia os 26,6%, sendo que no caso das mulheres a nível nacional era de 23% e na região atingia 28,5%.
Em 2011, quer a percentagem de pessoas analfabetas, quer a diferença entre a Região Autónoma e a média nacional baixou drasticamente. Nos últimos censos a percentagem de pessoas analfabetas no país era de 5,2% sendo que entre as mulheres a diferença era de + 1,6 p.p. e no caso da Madeira o valor global estava na casa dos 7%, sendo no feminino +1,1p.p.
A este atraso que tínhamos em relação à Europa, acresce o facto de termos sido o único país a diminuir a escolaridade obrigatória, passando, durante o Estado Novo de 4 para 3 anos a escolaridade das raparigas e a atingir em 1970 um nível do analfabetismo feminino de +11,3 p.p. do que o masculino.
No final dos anos 80 e durante os anos 90 do século XX, havia a convicção de que o problema da desigualdade salarial e da ausência de mulheres nos lugares de direção se resolveria com a universalização da educação. Contudo, 30 anos depois, as mulheres estão em maior número no ensino superior, têm melhores resultados académicos, mas no mercado de trabalho a diferença salarial entre homens e mulheres com mais qualificações é de 28%.
Esta realidade, de uma enorme injustiça social e que mina os princípios democráticos da nossa Constituição, deve-se a um modelo de divisão social do trabalho inerente à modernidade, que coloca os homens na categoria de produtores e as mulheres na categoria de reprodutoras e de cuidadoras.
Uma mudança cultural que altere significativamente este modelo, para uma perspetiva nova em que cada pessoa, independentemente do seu género, possa ser o que quiser ser, integrando uma perspetiva pós-moderna que nos lance para uma nova era de desenvolvimento e progresso, é necessária, mas difícil de operar.
Para que esta mudança aconteça e de aprofunde, é imprescindível uma fortíssima aposta na educação. Educar para a cidadania e para a igualdade, é introduzir na escola pública formação e conteúdos que permitam aos e ás jovens interiorizarem a igualdade entre mulheres e homens na sua visão da sociedade e nas suas relações pessoais e familiares, como um valor positivo, reproduzindo novos modelos nas gerações vindouras.
Para que este desígnio se concretize e a mudança estrutural ocorra, precisamos do contributo da sociedade como um todo, sendo o papel das Organizações Não Governamentais fundamental. Exemplo é o trabalho ímpar nas escolas, junto das crianças e jovens, que a UMAR realiza através do projeto ART’THEMIS+ que, no Continente e na Região Autónoma da Madeira, tem dado um contributo de grande relevo à educação para a cidadania, promovendo uma cultura de igualdade e não discriminação, combatendo a violência no namoro e a violência doméstica.
Esta mudança, que verdadeiramente contribuirá para um país em que cada homem e cada mulher terão acesso à sua realização pessoal, em que a igualdade salarial entre mulheres e homens se tornará real, em que a violência de género será residual, em que mulheres e homens terão acesso igual às carreiras e aos lugares de decisão, em que os homens também terão o direito a cuidar dos seus, só é possível com todos e todas. Não é uma utopia inalcançável, é sim uma mudança em construção.