O livro feminista de 1715
umarmadeira
ARTIGO DE CONCEIÇÃO PEREIRA
Fina d´Armada, uma companheira da UMAR entretanto falecida, viveu grande parte da sua vida a procurar livros e notícias de mulheres que protagonizaram grandes feitos, mas que os historiadores esqueceram, esconderam, desvalorizaram.
Assim, nas suas buscas pelos arquivos, encontrou um livro publicado pela 1ª vez em 1715 e que foi reeditado em 1741,1743 e 1793, sendo que este último se encontra na Biblioteca Pública Municipal do Porto. Esta obra foi publicada com o título: Bondade das Mulheres Vendicada e Malícia dos Homens Manifesta. Está assinada por “Paula da Graça, natural da Vila de Cabanas e assistente nesta Corte”.
Trata-se de um pequeno livro, escrito em verso, composto por 72 quintilhas (estrofes de cinco versos), tantas quantas os livros da Bíblia. A autora responde a uma jovem que lhe pede conselho sobre o seu casamento e ela vai abordando os problemas que as mulheres enfrentam:
- o casamento era um tirano estado;
- a não existência de equivalentes empregos, a riqueza e o gosto é dado aos varões;
- havia mulheres muito oprimidas;
- a interpretação desvirtuada da bíblia, valorizando a culpa feminina e ocultando a masculina;
- só se falava dos heróis e não das heroínas;
- para entreter as mulheres destinaram-lhe os enfeites, retirando-lhe todo o resto;
- os direitos das mulheres foram-lhes retirados pelos homens;
- assassínio de esposas;
- violência doméstica (“depois partem-lhes as costas”).
Segundo Fina d’Armada, a autora estaria a responder ao autor do livro Malícia das Mulheres, em que este as acusa de manhosas, comedeiras, respondonas, astuciosas, falsas, vaidosas, inconstantes, interesseiras, velhacas. Por esta época e já no século anterior, foram escritos livros acusando e humilhando as mulheres de serem símbolo de astúcia e falsidade. E ainda davam conselhos, entre outros, aos homens para casarem com meninas muito novinhas, antes de adquirirem autonomia, para melhor as dominarem. Até havia o seguinte provérbio: Em dia de São Tomé, quem porco não tiver, mate sua mulher.
Fina d’Armada tece o seguinte comentário: “O que não deve ter passado pela cabeça de moralistas e seguidores é que algum dia algumas se erguessem e cumprissem a promessa de Paula da Graça, feita há 300 anos: “a todos hei-de tomar / conta igual das suas vidas”.
No entanto, muitos dos problemas enumerados por Paula da Graça ainda persistem, apesar dos avanços civilizacionais e das lutas que algumas mulheres têm vindo a implementar, de forma organizada. Porém, ainda falta quebrar muitas barreiras impostas às mulheres, que são mais de metade da humanidade.
António Salvado considera, assim, que talvez estejamos perante o 1º grito revolucionário feminista da nossa literatura.