Há que viver e escangalhar o telemóvel...
umarmadeira
ARTIGO DE PAULO SOARES D'ALMEIDA
Corria o ano de 1993 e Anabela, com apenas 16 anos, vencia o Festival da Canção com o icónico tema “A cidade (até ser dia)”. Em segundo lugar ficaria o autodenominado “mãe do rock português” José Cid em parceria com Paulo Bragança. O jovem fadista era uma figura controversa na época: as suas roupas, as junções musicais que fazia ou o (hoje tão comum) facto de cantar descalço chocaram com o meio mais conservador do panorama musical do país. Cid chegou mesmo a criticar publicamente a sua indumentária, afirmando que os risos e comentários que provocou fizeram com que o público se distraísse da canção.
Anos depois, o “anjo caído do fado” – alcunha dada por Fernando Ribeiro – abandona o país e a sua carreira musical. O descontentamento com a indústria e os lobbies que ajudavam a construir/destruir um artista, conjugado com tormentas pessoais, foram as razões que o levaram em busca de um mundo novo. Andou pelo Leste da Europa, por Inglaterra e, finalmente, estabeleceu-se em Dublin a trabalhar como funcionário público. Conheceu o luxo. Chegou, efectivamente, a ser sem-abrigo em Londres, onde foi espancado por ter um cartão melhor para dormir. Na Irlanda, acabou por estudar filosofia e dar aulas. Em 2017, a convite dos Moonspell regressou a Portugal e ao mundo da música, depois de mais de uma década de exílio.
Passados 26 anos, temos no palco do festival outra figura diferenciada. Vestido com um robe preto e com uma máscara dourada na face. A seu lado tem um dançarino em tronco nu, coberto de brilhantes a condizer com a joia facial do cantor que faz uma dança que é um mesclado de vários estilos. Ele canta sobre telemóveis – ou não - no concurso, mas também já dedicou músicas a borregos, à celulite ou à pastelaria. Mistura fado com música dos Balcãs, ritmos africanos, árabes, eletrónicos ou qualquer outro som, às vezes inesperado como um microondas, que se esbarre com ele no dia-a-dia. Tal como António Variações, Paulo Bragança ou qualquer outro que trouxe algo de novo, foi ostracizado. Mas são precisos mais como ele. Não só artistas, mas como pessoas: talentosas, genuínas, singulares e luminosas.
O seu nome artístico provém da série japonesa "Conan, o Rapaz do Futuro", do lendário Hayao Miyazaki, e do deus egípcio. E, talvez, seja mesmo o protótipo de ser humano do futuro que todos procuramos: sermos nós próprios e viver a fazer o que realmente gostamos.