Ter tempo para o tempo...
umarmadeira
ARTIGO DE JOANA MARTINS
Vivemos tempos complexos, onde o imediatismo é a palavra de ordem. O tempo deixou de ser suficiente para tudo, pois andamos sempre a correr contra o tempo. Existem à nossa volta, constantemente, mil e uma informações a circular, e outras tantas solicitações e afins para dar conta. JÁ, AGORA. Se não soubermos colocar limites ou estabelecer prioridades, deixamo-nos afogar nessa espiral, acabando por não ter tempo para o tempo. O passado é habitualmente deixado de parte (ou pesquisado no Dr. Google), e vivemos sempre para o futuro.
Esta cultura iniciou-se com a expansão das redes sociais e internet. Há uma ansiedade generalizada de “ter que dar conta do recado, senão serei uma pessoa fracassada. Tenho que estar informada, ou serei vista como descuidada e ficarei desintegrada do resto da sociedade.” Correr contra o tempo está a nos transformar em pessoas mais ansiosas e angustiadas. Reservar um tempo para nós é quase visto como egoísmo.
As tecnologias rasgaram a relação espaço-tempo, deixou de haver tempo para pensar no tempo. Esperar passou a ser sinónimo de perder tempo. “Não há tempo a perder”, é o slogan impresso em todo o lado. Passou a ser tudo uma questão de velocidade. As pessoas querem tudo para ontem: a realização de sonhos, de objetivos, de metas. Graças à pressa, estamos a nos tornar mais virtuais do que reais – paremos um pouco para olhar à nossa volta e refletir sobre isso. Andamos mais cansados/as, por vezes mais desorientados/as. E, muitas vezes, mais infelizes.
Eu pertenço à geração de transição entre um mundo menos virtual e menos globalizado, para o que temos atualmente. E tenho a dizer que há, também, diversas vantagens neste novo mundo. A informação está muito mais acessível. Através dum click, podemos ter acesso a formações, livros, matérias-primas e afins vindas do outro lado do mundo. Comunicar e se fazer ouvir nunca esteve tão facilitado. É possível influenciar o mundo inteiro sem sair de casa. Mas, parece não haver tempo para se pensar no tempo.
Esta globalização e imediatismo têm levado a que desenvolvamos, cada vez mais, um estilo de vida insustentável. Compramos o que está na moda, sem pensar se, realmente, precisamos daquela peça. Desperdiçamos imenso, em tudo, sem pensar nas consequências a médio e longo prazo. Depois, como num piscar de olhos, aparece uma iniciativa promovida por alguém, mediática, in, e lá vamos clicar e partilhar nas redes sociais, expressando o nosso apoio de forma efusiva. De repente, a consciência fica um bocadinho mais leve. Até podemos participar na iniciativa, e durante algum tempo, até podemos fazer umas mudanças de vida. Mas, muitas vezes (e é isso que me preocupa), passando o mediatismo da causa, tornamos aos velhos hábitos, e os problemas da falta de sustentabilidade mantêm-se.
Valoriza-se, muitas vezes, o imediato e mediático, e desvaloriza-se a prevenção primária de tudo. Como a da violência de género. Aquele “trabalhinho difícil” que precisa ser feito continuamente, a longo prazo, para ir lançando sementinhas de mudança por todo o lado. Aquele trabalho não visível a olho nu, à primeira vista, mas o qual vai influenciando, devagarinho, muitas pessoas. Ao mesmo tempo, há aquelas pessoas que trabalham para manter vivas as memórias de como tudo aconteceu e como chegamos aqui, para informar e fazer com que haja reflexão no presente, sobre o futuro e o que se poderá perder do passado. Como a luta dos direitos das mulheres, a cronologia que ilustra o caminho de conquista de direitos que os homens sempre tiveram, mas que às mulheres eram negados – e que ainda são negados em muitos países. Estimular o pensamento crítico. Pessoas que não se deixam cegar pelos holofotes e vão, com persistência e resiliência, fazendo o seu caminho. Pessoas que lutam pelas mesmas causas há muitos anos, como a igualdade de género, e que não desistem enquanto houver ainda algo a melhorar, a fazer, independentemente se “está in ou out”. Pessoas que valorizam e reinventam métodos do passado, mais sustentáveis. Pessoas que, efetivamente, melhoraram a vida de muitas outras pessoas. Acredito que são essas pessoas que serão, para sempre, recordadas por muitas outras pessoas, e tento seguir o seu exemplo.
Apesar de pertencer a uma geração de transição, oscilando entre o tempo do presente e o tempo do passado, revejo-me mais na tal persistência e resiliência, e menos no imediatismo. Para tudo, há que haver um equilíbrio. Saibamos utilizar as ferramentas que temos à nossa volta para lutar pelo que acreditamos. Sem perdermos o tempo para pensar no tempo.