O raio da catraia
umarmadeira
ARTIGO DE PAULO SOARES D'ALMEIDA
Imagem retirada do vídeo satírico criado pelo humorista Mark Humphries, onde cria uma linha de apoio para quem odeia irracionalmente a jovem activista. A ver.
E, pronto, cá estamos. Apesar de ainda haver meia dúzia de negacionistas, parece do senso comum que atingimos um estado de emergência climática. Fomos aquela família abastada que nada fez para conquistar a riqueza que tinha em mãos e acabou por estourá-la. Por vezes, devido à necessidade, outras por conforto, uma ou outra por desconhecimento e, aqui e ali porque, também, quem é que não gosta de um bocadinho de megalomania, não é?!
De repente, com 955 euros na conta pedem-se atitudes imediatas e com impacto. Alguns membros do agregado já se estão a borrifar para isso e quem se chega à frente para a insurreição é a irmã mais nova de 16 anos. O tio do Brasil contesta, pois acha que a pirralha não passa de uma jovem bolchevique que quer atenção; o outro tio da América que, apesar de estar pelos cabelos com tantos dados científicos, continua c(s)éptico. O calcanhar de Aquiles da sua casmurrice – ou conveniência - é que, enquanto se pode refutar a opinião de um filme com um rotineiro “eu achei bom, é a minha opinião”, a ciência não permite um “ eu acho que 10+10 é igual a 27, é a minha opinião”; ou então o irmão mais velho, que devido à falta de argumentos, se limita a ofender gratuitamente a rapariga pelo cabelo, timbre de voz, género ou incoerência, pois respira, logo polui – que, a meu ver, é a adaptação contemporânea do “penso, logo existo” de Descartes.
Felizmente, do seu lado, tem todos os seus primos e a tia-avó que esteve em Woodstock e, apesar de saber que já não vai ser tão afectada quanto os seus netos, tem a consciência de perceber que aquela luta também é sua. Curiosamente - pasmem-se com esta coincidência entre o escriba e a personagem que criou - partilhamos da opinião em que, a resposta tão procurada ao fatídico dilema existencialista “qual a nossa missão na Terra?” é, no mínimo, tentar deixar este mundo um bocadinho melhor para as gerações vindouras.
Todos podemos (e devemos) contribuir diariamente de forma activa para atenuar a actual situação ambiental. A fórmula é mais que sabida, se aplicarmos a máxima dos 5 Rs (repensar, reduzir, recusar, reutilizar e só em último caso reciclar), diariamente, o planeta agradece. Claro que as verdadeiras medidas terão de partir dos nossos governantes, onde terão a missão de conseguir uma restruturação mais sustentável e em que será imperativo que, tal como em quase as grandes mudanças, quem saia mais atropelado não seja o Zé Povinho.
Resta saber se há essa vontade e capacidade de abrir mão de bens que damos como garantidos. O consumismo desenfreado passou a fazer parte do nosso quotidiano e, consequentemente, tudo passou a ser mais descartável. Seja a roupa, a alimentação ou, eventualmente, até mesmo, a/o cônjuge do/a estimado/a leitor/a.
O ódio em relação à gaiata prende-se, a meu ver, à dificuldade do adulto de levar um bom ralhete de uma criança. E, principalmente, por ela ter razão. É claro que ela tem as suas incoerências. Tampouco está a dizer algo que não fizéssemos ideia. Ela acaba por simbolizar a garra e força de vontade de querer reverter esta situação. Sem ser o Messias que nos guiará à salvação, acaba por me dar um quentinho de que ainda é possível salvar esta família – e cá está, consegui aguentar esta analogia sofrível até ao fim, pois não a descartei.