Yvonne Farrell e Shelley McNamara. Grafton architects
umarmadeira
ARTIGO DE BRUNO MARTINS
No caos da cidade, um suspiro silencioso feito de integração e significado.
Na arquitetura de hoje, o silencio quase deixou de estar presente. Talvez com a exceção dos espaços religiosos, a arquitetura moderna caracteriza-se pela extravagancia das formas moldadas ao individualismo, edifícios expressivos e pouca contenção. E não digo isto em tom de critica.
Yvonne Farrel, que em conjunto com Shelley McNamara fundou os “Grafton Architects”, dizia numa conferencia que “a arquitetura é a linguagem silenciosa que nos fala”. Em Portugal, a ideia de que os edifícios devem ter um sentimento de pertença ao lugar onde vivem é-nos incutido desde a universidade até à obra. Será o silencio de que nos falam estas arquitetas, um esforço integrador de um edifício na sua envolvente? Ou no ruidoso caos da cidade o silencio pode gritar mais alto?
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Fundado em 1978, os “Grafton Architects” estavam longe dos holofotes mediáticos até terem vencido o prémio Pritzker de 2020. Grande parte da sua obra está localizada no seu país natal, a Irlanda, mas, sobretudo através de concursos foram se afirmando um pouco por todo o mundo.
Sempre curiosas e com profundo respeito à cultura e ao contexto, afirmam-se sobretudo em projetos culturais e académicos, tais como a UTEC, a Universidade de Engenharia e Tecnologia de Lima, no Peru, que lhes trouxe o recente protagonismo.
Em 2012 vencem o Prêmio Leão de Prata da Bienal de Veneza de 2012 no âmbito da exposição “Arquitetura como nova geografia”, e em 2019 recebem a “medal of lifetime achievement in architecture” e a medalha de ouro do RIBA em 2020.
Em 2018 ficam responsáveis pela curadoria da bienal de Veneza, que surge na ressaca da eleição de Donald Trump, do brexit e da deriva conservadora que grassa pelo mundo fora, e no qual pretenderam contrapor o papel da arquitetura de elevar os nossos espíritos, de abrigar os nossos corpos e da ideia da arquitetura para todos enquanto espaço democrático livre, não programado. Porque a arquitetura não é apenas programa, espaço e cidade, é também pensamento, ideologia e vida.
O mais importante reconhecimento aparece finalmente em 2020, onde lhes é atribuído o maior galardão da arquitetura, com a entrega do prestigiado prémio pritzker, que exalta a qualidade do seu trabalho, e particulariza o lado humano dos seus projetos e o sentido de escala e proporção na criação de espaços íntimos em ambientes severos.
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A sua arquitetura é desenhada por mulheres, mas não irão encontrar traços ostensivos de delicadeza. No seu lugar veremos edificações fortes e monolíticas, talvez mesmo construções “musculadas” que não se enquadram em quaisquer estereótipos associados ao feminismo.
A sua abordagem poderosa revela, no entanto, grande compreensão pelos processos de projeto e construção, o que se verifica desde a pequena à grande escala, desde os mais pequenos detalhes até as maiores e mais significativas intervenções.
Com uma forte componente de pesquisa, os seus projetos revelam sempre uma grande compreensão pelo lugar e respeito pelo contexto e cultura onde se inserem. Ao contrario dos anteriores prémios pritzkers (Frank Gehry e Zaha Hadid) que pensam a sua arquitetura como uma afirmação do objeto sobre o território, as Grafton Architects abraçam a singularidade de cada local no desenvolvimento dos seus projetos.
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Numa industria dominada por homens, torna-se ainda mais relevante que as arquitetas Yvonne Farrel e Shelley McNamara sejam a quarta e quinta mulheres a ganhar o premio pritzker, nos seus 41 anos de historia. No entanto é importante referir que desde a Zaha Hadid, em 2004, nestes últimos 17 anos, 5 mulheres venceram este importante reconhecimento. Julgo que, pela criatividade e talento que podemos ver em muitas arquitetas, essa tendência crescente manter-se-á. Ainda bem. Não apenas porque enriquece a arquitetura e as cidades, mas porque estas e outras mulheres mudaram não apenas a forma como pensamos o espaço e a arquitetura, mas também a própria profissão. E bem-haja por essa lufada de ar fresco, porque mudaram para melhor.
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