A paridade versus o mérito
umarmadeira
ARTIGO DE CLÁUDIO PESTANA
O caminho faz-se caminhando, dizia o maior de todos os poetas, Fernando Pessoa, e em boa verdade a inclusão e igualdade faz-se também caminhando em trilhos de pequenas conquistas, como é o caso da paridade entre homens e mulheres para listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais, bem como para Governos Regionais.
A lei orgânica nº 3/2006 obriga a que todas as listas assegurem uma representatividade de 33% de cada um dos sexos em todas as listas para o poder político o que representa, a meu ver, uma forma de se corrigirem erros do passado. Alguns erros persistiam desde a fundação da democracia ateniense a qual permitia a participação activa de todos os cidadãos. À primeira vista não há nada de errado com esta última afirmação não fosse o facto do conceito de cidadão ser uma espécie de primeiro estágio em relação ao conceito de cidadão dos tempos modernos. Acontece que o ateniense para ter direito ao estatuto de cidadão tinha de ser filho homem de pai e mãe atenienses, maior de 19 anos e possuidor de terras. Isto implicaria que alguns membros da sociedade Ática não tivessem acesso ao estatuto de cidadão como é o caso dos escravos, dos estrangeiros e das mulheres.
O caminho fez-se caminhando durante este espaço temporal de cerca de 2500 anos desde a criação da democracia até aos nossos tempos e hoje talvez se possa respirar de alívio porque o conceito de cidadão vive num estágio mais avançado e evoluído, porém as vitórias apenas serão conquistas enquanto persistir a capacidade de vigilância activa e permanente dos nossos direitos. Para que hoje as mulheres pudessem ter direitos, outras sofreram e pereceram. Muitas são mulheres sem rosto, sem nome, sem família, enfim sem história, que apenas ousaram desafiar o patriarcado e as leis dos homens, e hoje importa recordá-las como as figuras que deram origem e alimentaram a máquina que nos fez caminhar até aos direitos de hoje mantendo a vigilância activa e permanente, uma vez que haverá sempre quem pretenda, consciente ou inconscientemente, um regresso ao passado.
As questões paritárias são aqueles não assuntos que tendem a ser discutidos com muita pomposidade e galanteio por parte daqueles que as desejam ver eliminadas enquanto legislação. Tudo isto com o argumento, também válido, de que o mérito deveria ser ponto de partida para a realização de listas para os órgãos de poder. Na verdade, qualquer sociedade deveria validar aqueles que pelo seu mérito são eleitos para nos governar mas este argumento não invalida que a paridade seja objecto de legislação pois pede-se ao estado que seja agente de vigilância activa e permanente para que não se perpetuem no tempo os erros ou lacunas do passado. Se se levar em consideração que as listas para órgãos de poder político exigem apenas que em cada sequência de três candidatos, pelo menos um deve ser do sexo oposto, não se está a definir que se invalide o mérito de todos os potenciais candidatos mas sim a regulamentar que todas as listas devem ter candidatos de ambos os sexos e a isto poder-se-á considerar vigilância activa e permanente nos direitos universais entre homens e mulheres. Se levarmos em consideração uma lista de onze candidatos para uma determinada autarquia, e se cumprir somente o mínimo exigido pela legislação, estamos perante um cenário onde oito candidatos poderão ser homens e apenas três deverão ser mulheres. Digam-me, nestas oito vagas não há espaço para o mérito? Caso entendam que não, estamos perante um outro assunto que não o da paridade.