Que a mobilização pela dignidade vença a inércia e a indiferença!
umarmadeira
ARTIGO DE LUÍSA PAIXÃO
«Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar»
Sophia de Mello Breyner Andresen
Recordando Sophia, na semana do seu aniversário, permito-me pedir emprestadas as suas palavras.
O poema “Cantata da paz”, apesar de ter sido escrito e publicado numa época em que abundavam as ditaduras e o imperialismo europeu e americano ainda era “vendido” como inevitável num processo que calava a dor e o sangue derramado com a desculpa de um bem maior que, afinal, nada mais era do que a linguagem do terror, adequa-se, igualmente, à realidade do século XXI, representando quiçá o retrato que todos as forças políticas deveriam, mais do que analisar, vivenciar de perto, antes de se apresentarem aos eleitores, nas eleições que se avizinham.
Os relatórios da fome, de que nos fala Sophia, não podem continua a ser ignorados e urge denunciar a alta voz e em uníssono a vergonha que representam, para que não continuem a ser silenciados pelas jogadas de bastidores e por programas abstratos que ninguém lê.
Mas a população em geral, que vota e elege não está, igualmente, isenta de responsabilidades, pois ninguém tem o direito de substituir as suas responsabilidades cívicas pela sedução do discurso fácil e da passerelle onde desfilam as vaidades individuais e de grupo, nem pelas agendas voláteis, que se evaporam assim que as sondagens o exijam.
Em Portugal uma em cada cinco pessoas é considerada pobre, taxa que na Madeira é de um para cada três, dos quais um terço aufere salário. A partir destes resultados, podemos concluir que, no nosso país e na nossa região, trabalhamos para ser pobres, ou seja, o adjetivo pobre ganhou uma dimensão que, vergonhosamente, aproxima o Portugal do século XXI do Portugal do Estado Novo. Por outro lado, a própria condição de pobre, ganha uma hierarquia, entre os que trabalham ou recebem subsídio de desemprego e os que não têm qualquer tipo de rendimento.
Mas, a situação piora se estivermos a falar das mulheres, das crianças e das pessoas idosas a taxa de pobreza atinge percentagens ainda mais preocupantes, nomeadamente no caso das mulheres em que atinge 20%, situação que a epidemia veio agravar devido às desastrosas políticas sociais mal direcionadas.
Já no que diz respeito às crianças, herdeiros involuntários do Pecado Organizado de que nos falava Sophia, herdaram a pobreza financeira, mas também estão a herdar a pobreza da qualidade ambiental e da qualidade de vida, sendo estas duas últimas comuns a todas as crianças, independentemente do seu estatuto socioeconómico.
Mais uma vez, teremos a oportunidade de escolher o que queremos para o futuro do nosso país. Que a mobilização pela dignidade vença a inércia e a indiferença, porque cada vez que calamos a nossa indignação estamos a remeter para a invisibilidade social aquelas e aqueles que, pela extrema fragilidade em que sobrevivem, não têm voz.
Afinal, para que o mal triunfe basta que os bons não façam nada. Mas será que quem nada faz merece esse nome?