O amor acontece...ou é-nos imposto?
umarmadeira
ARTIGO DE MARGARIDA PACHECO
No domingo passado, foi o primeiro episódio do programa “O amor acontece” onde várias pessoas querem encontrar o seu par ideal. Compreende-se logo no início do programa que todos/as têm expectativas sobre esse “par ideal” e como deve ser essa pessoa. Essas expectativas são reais ou são expectativas impostas pela sociedade? E o que é que é isso de par ideal?
Falemos do primeiro par apresentado. Um concorrente masculino que explica desde logo as suas expectativas e todas elas se centram no aspeto físico, sendo a sua primeira preocupação o facto da sua companheira não poder ser mais alta do que ele. A concorrente feminina, também com expectativas centradas no aspeto físico, afirma que o seu par tem que ser mais alto do que ela, porque gosta de usar saltos altos. Começamos a ver os estereótipos de género presentes nas relações românticas.
No momento da apresentação a jovem também menciona que está no programa para “desencalhar”, uma vez que tem 21 anos e não tem um namorado. Estas conceções fizeram-me pensar nas pressões existentes na sociedade para as mulheres no que toca ao casamento e a terem filhos/as. Desde cedo começa a imposição de que todas devemos ter um relacionamento com alguém, que pressiona jovens a começarem o mais rapidamente possível relacionamentos e que as mulheres são menos mulheres se não tiverem um relacionamento romântico. Todas nós já ouvimos “não tens ninguém?”, “mas não queres?”, “não tens medo de não encontrar ninguém e ficar sozinha?'', "não queres ser mãe?”. Esta pressão que nos é imposta faz com que muitas mulheres iniciem relações românticas sem quererem, sem estarem preparadas e muitas vezes faz com que se mantenham em relações abusivas e tóxicas.
O mesmo rapaz afirma que é controlador na sua vida, mas não nas relações. No entanto, logo compreendemos quer pelos seus comentários quer pelas suas atitudes que o controlo também faz parte das suas relações. Nos próximos episódios iremos testemunhar este jovem a controlar o vestuário da concorrente que poderá ser o seu ‘par ideal’ e a mexer no telemóvel da mesma sem autorização. Estes comportamentos já mostram aquilo que muitas pessoas mencionaram nas redes sociais como “foge Catarina, essa relação já não é saudável e ainda mal começou”. O que mais me intriga é como é que a TVI vai lidar com esta situação. Vai legitimar estes comportamentos como tem feito em outros reality shows? Vai aproveitar esta oportunidade e falar de um problema social grave que temos em Portugal que é a violência nas relações de intimidade? Espero que seja usado este exemplo para que as pessoas que estão a assistir a este programa e que estão em relacionamentos abusivos possam refletir que são comportamentos abusivos e que ninguém deve aceitar essas atitudes nas nossas relações afetivas, nem na “Casa da Praia”, nem num reality show, nem na nossa casa, em nenhum lado, em nenhum momento.
Continuemos com os estereótipos presentes nas relações de intimidade e falemos então no segundo casal. Achei muito importante falarem do facto de um homem não poder e não querer ter filhos. É essencial começarmos a desmistificar a ideia que todos/as temos que ser pais e mães. Também é importante mencionar que nem todas as mulheres querem ser mães e está tudo bem! Um relacionamento romântico não tem que ter a finalidade de ter filhos/as e/ou casar.
Falemos agora dos estereótipos de género presentes no terceiro casal. Quando o primeiro casal mencionou as idades em que ele é mais velho que ela, nenhum dos dois estranhou. Já neste casal quando a rapariga pergunta “mas então quantos anos tens?” e compreende que ele é mais novo que ela, notou-se logo um desconforto da parte da concorrente. Todas estas ideias de como um homem e uma mulher devem ser, fazer, estar ou comportar-se numa relação está tão enraizada na nossa sociedade que muitas vezes nem refletimos e criticamos estes comportamentos que fomos vendo ao longo deste programa e muitos outros que vão aparecer nos próximos episódios, uma vez que é um reality show e, por isso, vamos ver o que se passa no dia a dia de mulheres e homens que se querem relacionar.
Então, afinal o que é o par ideal? É uma ideia que vamos construindo ao longo do nosso desenvolvimento e do nosso processo de autoconhecimento ou é algo que nos é imposto desde que somos crianças? A conceção de amor romântico que é transmitida para as crianças desde muito pequeninas deve ser refletida. A comunicação, o afeto, a sexualidade, o consentimento e os relacionamentos interpessoais devem ser trabalhados desde muito novos/as.
Não posso deixar de mencionar a reflexão e crítica que foi feita nas redes sociais ao longo do programa. Existe cada vez mais uma consciencialização da sociedade portuguesa no que diz respeito aos problemas sociais e isso é cada vez mais notório na crítica sobre o conteúdo deste tipo de programas. Reivindicou-se pela representatividade no programa. Será que vamos ter pessoas homossexuais a conhecerem-se e a começarem uma relação romântica em horário nobre na televisão portuguesa?
Não posso terminar sem mencionar a importância da visibilidade das relações afetivas e sexuais na terceira idade. É necessário também este tema deixar de ser tabu.
A televisão é um meio de comunicação presente na maior parte das casas dos/as portugueses/as e este programa é uma excelente oportunidade para refletirmos e debatermos sobre os relacionamentos românticos, mas também para debatermos sobre o que queremos, o que aceitamos e o que cada um de nós acha que é o par ideal.
O amor pode acontecer e acontece…. mas muitas vezes a ideia de amor é-nos imposta!